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Súmula de Jurisprudência fiscal arbitral (4º Trimestre de 2023)

10 Abril 2024
Súmula de Jurisprudência fiscal arbitral (4º Trimestre de 2023)
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Súmula de Jurisprudência fiscal arbitral (4º Trimestre de 2023)

10 Abril 2024

Esta informação fiscal apresenta uma síntese trimestral das principais decisões proferidas pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em matéria tributária, analisando o impacto e o contributo que tais decisões poderão vir a ter no futuro e tem por referência o 4º trimestre de 2023.

1.
NÚMERO DO PROCESSO: 469/2023-T
DATA: 27 de Outubro de 2024
ASSUNTO: ISV – Conformidade com o artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia – Veículos usados provenientes de outros Estados-Membros.

O REQUERENTE apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral, com vista à anulação parcial das liquidações de Imposto sobre os Veículos (“ISV”) e a restituição do montante de €3.146,52, acrescido de juros indemnizatórios, tendo, ainda, solicitado que, caso o Tribunal Arbitral assim o entendesse, fosse desencadeado o reenvio prejudicial junto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

 FACTOS:

O REQUERENTE é uma pessoa singular que, em 3 de agosto de 2022, introduziu em Portugal, um veículo ligeiro de passageiros proveniente da Alemanha.

No cumprimento das suas obrigações legais, designadamente tributárias, o REQUERENTE apresentou declaração aduaneira do referido veículo, tendo a Administração tributária liquidado o ISV pelo valor de €9.771,81, imposto esse que foi integralmente pago pelo REQUERENTE Deste valor liquidado, €3.205,17 corresponde à componente cilindrada e €6.566,65 à componente ambiental, sendo que estes valores resultaram das reduções referentes ao número de uso do veículo.

Não obstante o Impugnante ter procedido ao pagamento do imposto liquidado, sem o qual não poderia legalizar o veículo para poder circular em Portugal, considera que a liquidação efetuada do ISV está ferida de um vício de ilegalidade, no que diz respeito a cálculo da componente ambiental ou CO2, uma vez que a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação (artigo 11.º do Código do ISV) viola o artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, conforme já foi declarado por acórdãos transitados em julgado do Tribunal de Justiça da União Europeia e por outras decisões proferidas por este Centro de Arbitragem.

Em face a esta alegada ilegalidade, o REQUERENTE, em 14 de março de 2022, requereu junto da Alfândega, ao abrigo do disposto na 2.º parte do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), a revisão da liquidação do referido imposto liquidado referente ao veículo acima identificado, tendo sido tal pedido indeferido por despacho proferido em 18 de abril de 2023.

Face à decisão de indeferimento de pedido de revisão do ato de liquidação do ISV, a REQUERENTE apresentou o competente Pedido de Pronúncia Arbitral.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada, o Tribunal identificou como questões a averiguar a necessidade de desencadear o reenvio prejudicial junto do Tribunal de Justiça da União Europeia, da ilegalidade da liquidação de Imposto sobre os Veículos (“ISV”) e do direito a juros indemnizatórios.

No que concerne ao Reenvio Prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal Arbitral acolhe a doutrina defendida pelo Centro de Arbitragem no processo 572/2018-T, segundo a qual “[p]ara se recorrer ao processo de reenvio de uma ou mais questões a título prejudicial, para interpretação de uma ou mais normas jurídicas de direito comunitário, originário ou derivado, é necessário que subsistam dúvidas sobre a interpretação do texto em causa, porquanto se o texto a interpretar é perfeitamente claro, não se trata já de interpretar, mas sim de o aplicar, o que é competência do Tribunal incumbido da competência de julgar o caso concreto (aplicando a lei, nacional e/ou comunitária, se for esse o caso).”.

A este respeito, concluiu o Tribunal que a disposição do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia em causa no caso em apreço (artigo 110.º) já foi interpretada diversas vezes pelo Tribunal de Justiça, pelo que, na sua opinião, não subsiste qualquer dúvida acerca do seu alcance ou significado.

Relativamente à ilegalidade da liquidação de ISV, o Tribunal começa por transcrever o artigo 11.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, seguido do artigo 11.º, n.º 1 do CISV, na redação posterior à Lei 75-B/2020, de 31 de dezembro, para concluir que “[e]sta redação do art. 11.º, n.º 1 do CISV surgiu após várias decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia, referindo a desconformidade da tributação dos veículos usados instituída pela República Portuguesa com o artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.”.

Prossegue o Tribunal com a menção ao Acórdão do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 16 de junho de 2016, emitido no processo C-200/15 e relativo à ação de incumprimento interposta pela Comissão Europeia contra a República Portuguesa, segundo o qual foi declarada a desconformidade da anterior redação desta disposição com o artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nos seguintes termos: “Este artigo (110º do TFUE) é violado sempre que a imposição que incide sobre o artigo importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculados de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado (…) Assim, a cobrança, por um Estado-Membro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-membro é contrária ao artigo 110º. do TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional (…) Mais precisamente, um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (v. acórdão de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C-74/06, EU:C:2007:534, n.ºs 27 e 28 (…) ".

Refere, ainda, o Tribunal que “[a] jurisprudência deste CAAD tem decidido maioritariamente no sentido de que a actual redacção do art. 11º CISV continua a violar o disposto no art. 110º TFUE (cfr. as decisões dos processos 350/2021-T, 372/2021-T, 607/2021-T e 352/2022-T).”.

Deste modo, entendeu o Tribunal que “[n]estes termos, torna-se claro que o normativo do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, é incompatível com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que sujeita os veículos usados provenientes de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior à do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional, o que consubstancia uma discriminação proibida pelo referido artigo do TFUE, e implica que, consequentemente, a norma do artigo 11.º do CISV seja ilegal.”.

No que respeita aos juros indemnizatórios, entendeu o Tribunal que “[t]endo em conta o estabelecido no artigo 61.º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária , do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vide artigo 43.º da LGT).”, o REQUERENTE tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o valor de €3.146,52, que serão contados desde a data do pagamento desse montante, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.

Em face do que antecede, concluiu o Tribunal pela procedência do pedido de anulação de liquidação de ISV, anulando parcialmente a referida liquidação quanto ao valor de €3.146,52.

2.
NÚMERO DO PROCESSO: 228/2023-T
DATA: 19 de outubro de 2023
ASSUNTO: IS – Sociedades de Capital de Risco – Instituição Financeira

A REQUERENTE apresentou um Pedido de Pronúncia Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de autoliquidação de Imposto do Selo sobre as comissões de gestão cobradas pela REQUERENTE.

FACTOS:

A REQUERENTE é uma sociedade de capital de risco regularmente constituída ao abrigo do Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado consagrado na Lei n.º 18/2015, de 4 de março, entretanto revogado e substituído pelo Regime de Gestão de Ativos, consagrado no Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril.

No âmbito da sua atividade, a REQUERENTE gere diversos fundos, entre os quais fundos de capital de risco.

A REQUERENTE gere e representa os fundos de capital de risco em todos os aspetos da sua atividade económica e jurídica, nos termos atualmente estabelecidos no Regime de Gestão de Ativos consagrado no Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril.

Os serviços de representação e de gestão prestados pela REQUERENTE aos fundos de capital de risco são remunerados por uma comissão de gestão cobrada periodicamente, nos termos previstos na lei e nos regulamentos de gestão daqueles fundos.

A REQUERENTE tem vindo a liquidar Imposto do Selo à taxa de 4% prevista na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”), sendo que, entre dezembro de 2020 e julho de 2022, a REQUERENTE autoliquidou e entregou ao Estado Imposto do Selo sobre as comissões de gestão no valor global de € 30.292,06.

Em 25 de outubro de 2022, a REQUERENTE apresentou uma Reclamação Graciosa contra aqueles atos de autoliquidação, peticionando a respetiva anulação, com todas as consequências legais. Nessa sequência, em 30 de dezembro de 2022, a REQUERENTE foi notificada do despacho de indeferimento proferido pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira, no âmbito do procedimento de Reclamação Graciosa.

Em face da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, a REQUERENTE apresentou o competente Pedido de Pronúncia Arbitral.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada, o Tribunal identificou como questão de mérito a solucionar a de averiguar se as comissões cobradas por sociedades de capital de risco por atividades de gestão e representação jurídica de fundos de capital de risco se encontra sujeita a imposto do selo nos termos das verbas 17.3 e 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS). Adicionalmente, cabia ao Tribunal Arbitral decidir se, em caso de procedência do pedido de pronuncia arbitral, os REQUERENTEs têm direito ao reembolso do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.

O Tribunal começa por referir que “(…) resulta do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do CIS que a sujeição a Imposto do Selo por parte de sociedades de capital de risco depende do enquadramento da sua atividade em algum dos factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS)”.

Prossegue o Tribunal, enquadrando a atividade da REQUERENTE nas verbas 17.3 e 17.3.4 da TGIS, concluindo que “(…) é devido Imposto do Selo por comissões e contraprestações cobradas por serviços financeiros, desde que se trate de operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou equiparadas e outras instituições financeiras.”.

Nesse seguimento, entende o Tribunal que “para que se possa concluir, no caso sub judice, que é devido Imposto do Selo, tem de se verificar o elemento subjetivo contido na verba 17.3 – a REQUERENTE enquanto sociedade de capital de risco, tem de ser qualificada em alguma das categorias aí elencadas – e, cumulativamente, tem de se verificar o elemento objetivo, contido na verba 17.3.4 – as comissões cobradas têm de dizer respeito à prestação de serviços financeiros.”.

Relativamente ao elemento subjetivo, refere o Tribunal que “por força da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 319/2002, de 28 de dezembro, ao Decreto-Lei n.º 433/91, de 7 de novembro, concretizando uma alteração ao regime jurídico das sociedades de capitais de risco, estas sociedades, que constituíam uma das espécies de sociedades financeiras segundo o disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea h), do Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RJICSF), na sua redação originária, perderam essa qualificação, em virtude da revogação dessa disposição, operada pelo artigo 51.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 319/2002.”.

Deste modo, entende o Tribunal que “[o] próprio Código do Imposto do Selo (CIS) aponta no sentido de que as sociedades de capital de risco não estão abrangidas pelo conceito de “instituição financeira prevista na legislação comunitária”, para efeitos do referido imposto (…) apesar de o CIS não conter uma definição de “instituição financeira”, decorre do disposto no seu artigo 7.º, n.º 1, e), que as sociedades de capital de risco não se enquadram na tipologia “instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária.”.

Em face do que antecede, concluiu o Tribunal que não se verificando um dos requisitos cumulativos de que depende a incidência do imposto, contido na verba 17.3, torna-se desnecessário apreciar a verificação do pressuposto objetivo, ou seja, saber se os serviços prestados se caracterizam, ou não, como serviços financeiros, não restando, no seu entendimento, dúvidas de que as autoliquidações de Imposto do Selo são desconformes à norma de incidência contido na verba 17.3.

Neste sentido, decidiu o Tribunal julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular os atos de autoliquidação de Imposto do Selo, bem como o despacho de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzido e, por fim, condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago.

Adicionalmente, no que respeita aos juros indemnizatórios, o Tribunal condena a Administração tributária no pagamento deste, posto que “(…) nos casos de autoliquidação só se pode considerar que existe erro imputável aos serviços, para efeitos do artigo 43.º da LGT, se a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo tido a possibilidade de conhecer e sanar uma ilegalidade dos atos de liquidação, não o tiver feito, confirmando, expressa ou tacitamente, e mantendo na ordem jurídica, esses atos”, concluindo que no caso concreto “a data a partir da qual são devidos juros indemnizatórios é a data do indeferimento da reclamação graciosa, a qual corresponde ao momento em que a Requerida confirmou e manteve na ordem jurídica os atos de liquidação ilegais, ou seja, 21-12-2022.”.

3.
NÚMERO DO PROCESSO: 746/2022-T
DATA: 13 de outubro de 2023
ASSUNTO: IRC – Período Especial de Tributação – Caducidade do direito à liquidação da obrigação tributária – artigo 45.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária.

A REQUERENTE apresentou um Pedido de Pronúncia Arbitral, com vista à anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), referente ao período de 1 de janeiro de 2016 e 31 de agosto de 2016, e a demonstração de liquidação de juros a ela associada, bem como a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 FACTOS:

A REQUERENTE é uma cooperativa de direito português, constituída em 1987, que tem por objeto principal o ensino superior.

No período de tributação de 2016, a REQUERENTE deixou de ter um período de tributação coincidente com o ano civil, e passou a ser tributada pelo Período Especial de Tributação - PET, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do Código do IRC, compreendido entre 1 de setembro e 31 de agosto do ano seguinte.

A REQUERENTE entregou duas Declarações Modelo 22 de IRC no período de tributação de 2016: uma para o período entre 1 de janeiro de 2016 e 31 de agosto de 2016, e outra para o período entre 1 de setembro de 2016 e 31 de agosto 2017.

Posteriormente, a REQUERENTE foi objeto de uma ação inspetiva externa, de âmbito parcial, aos exercícios de 2016 e 2017, à qual se seguiu o Projeto de Relatório de Inspeção Tributária.

Em 30 de Abril 2021, a REQUERENTE foi notificada da liquidação de IRC, referente ao período de 1 de janeiro de 2016 e 31 de agosto de 2016, bem como da liquidação de juros compensatórios a ela associada, no montante global de € 83.413,90, fixando o dia 15 de junho de 2021 como data-limite para pagamento.

Nessa sequência, em 14 de junho de 2021, a REQUERENTE procedeu ao pagamento integral do imposto liquidado

Em 3 de outubro de 2021, a REQUERENTE apresentou Reclamação Graciosa contra a liquidação, solicitando a respetiva anulação, bem como a restituição do montante de € 83.413,90 indevidamente liquidado e pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Na sequência do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, a REQUERENTE apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada e elencadas as posições das partes, o Tribunal identificou como questão decidenda averiguar em que momento começa a contar o prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 1 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), em sede de IRC, nos casos em que o sujeito passivo tenha um período de tributação (“ano fiscal”) não coincidente com o ano civil: se do termo do ano fiscal (como defende a REQUERENTE), se do termo do ano civil (como defende a Requerida).

Começa o Tribunal por referir que “[a] caducidade do direito de liquidação da AT constitui uma garantia dos contribuintes, ocorrendo tal caducidade quando a liquidação de imposto não for notificada ao contribuinte no prazo fixado na lei.”, transcrevendo, ainda, o artigo 101.º do Código do IRC, segundo o qual “[a] liquidação de IRC, ainda que adicional, só pode efectuar-se nos prazos e nos termos previstos no artigo 45º e 46º da Lei Geral Tributária.”.

De seguida, transcreve o disposto no n.º 1 e no n.º 4 do artigo 45.º da LGT, os quais referem, respetivamente, que “[o] direito de liquidar tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos” e que “o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.”.

Entende o Tribunal que “a REQUERENTE passou a ter, a partir do ano de 2016, inclusive, um período de tributação não coincidente com o ano civil, passando a ser tributada pelo PET nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do Código do IRC, período esse compreendido entre 1 de Setembro e 31 de Agosto do ano seguinte. Dada esta alteração, no ano de 2016, a REQUERENTE entregou duas Declarações Modelo 22 de IRC: uma para o período entre 01-01-2016 e 31-08-2016, e outra para o período entre 01-09-2016 e 31-08-2017.”.

Posteriormente, o Tribunal cita a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 92/2012-T, em 31 de dezembro de 2012, nos termos do qual se concluiu que “da letra do n.º 4 do art.º 45º da LGT as regras e cânones de hermenêutica jurídica que a lei manda observar ditam que a melhor interpretação é a que conclui que nos impostos periódicos o prazo de quatro anos previsto no n.º 1 do referido art.º 45º deve contar-se a partir do termo do ano fiscal”.

O Tribunal adere integralmente à Decisão Arbitral supra citada, referindo, ainda, que “se assim não se entendesse, por ser outra a interpretação, não se asseguraria o igual tratamento entre contribuintes com o ano fiscal coincidente com o ano civil e aqueles em que não ocorre essa coincidência. Com efeito, a defender-se o entendimento sustentado pela Requerida, os contribuintes com um ano fiscal diferente do ano civil poderiam ser prejudicados, relativamente aos demais, na medida em que a AT disporia de um prazo de caducidade mais alargado.”.

Assim, a este respeito, concluiu o Tribunal que a liquidação de IRC, de 27 de abril de 2021, foi emitida para além do prazo de caducidade legal (previsto no n.º 1 do artigo 45.º da LGT).

No que concerne ao pagamento de juros indemnizatórios, concluiu o Tribunal que, no caso em apreço, “(…) é manifesto que ocorreu erro imputável à AT na emissão da liquidação em crise, pelo que assiste à REQUERENTE o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante de € 83.413,90, desde o dia seguinte ao do pagamento indevido (ou seja, desde 15-06-2021), até à data da emissão da respetiva nota de crédito, de harmonia com o disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, e no artigo 61.º do CPPT.”.

Em face de todo o exposto, decidiu o Tribunal julgar procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral deduzido pela REQUERENTE, determinando a anulação da liquidação de IRC, a demonstração da liquidação de juros compensatórios a ela associada, no montante global de €83.413,90, e o ato de indeferimento da reclamação graciosa.

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Rogério Fernandes Ferreira
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