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O novo simplex urbanístico

08 Abril 2024
O novo simplex urbanístico
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O novo simplex urbanístico

08 Abril 2024

A reforma e simplificação dos licenciamentos existentes, através da eliminação de licenças, autorizações, atos e procedimentos dispensáveis ou redundantes em matéria de urbanismo e ordenamento do território, reduzir custos de contexto e prazos, consta do Decreto-Lei n.º 10/2024 de 8 de janeiro, em vigor.

Este Decreto-Lei encontra-se já regulamentado pelas seguintes Portarias:

  • Portaria n.º 71-A_2024, de 27.02, que identifica os elementos instrutórios dos procedimentos previstos no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação e revoga a Portaria n.º 113/2015, de 22 de abril;
  • Portaria n.º 71-B_2024, de 27.02, que aprova os modelos de utilização obrigatória de licença, de resposta à comunicação prévia, dos atos a praticar pelos técnicos e dos modelos de avisos de publicitação de operações urbanísticas, nos termos do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, e;
  • Portaria n.º 71-C_2024, de 27.02, que procede à primeira alteração da Portaria n.º 1268/2008, de 6 de novembro, que define o modelo e os requisitos do livro de obra e fixa as características do livro de obra eletrónico.

Este diploma aprova, em suma medidas:

  • Aplicáveis a toda a Administração Pública e a todos os procedimentos relacionados com o exercício da função administrativa;
  • De simplificação na área do urbanismo; e
  • De simplificação para o ordenamento do território.

MEDIDAS DE SIMPLIFICAÇÃO NA ÁREA DO URBANISMO

São adotadas importantes novidades em matéria de urbanismo, com propósitos de simplificação e de redução de custos.

Assim:

i) Procede-se à eliminação da necessidade de obter licenças urbanísticas, criando-se, para o efeito, novos casos de comunicação prévia, de isenção e de dispensa de controlo prévio. Assim, passa a dispensar-se a licença de loteamento e a permitir-se a sua viabilização através de comunicação prévia quando exista plano de pormenor ou unidade de execução que tenham determinados atributos.

ii) Deixa de ser possível escolher seguir o regime da licença quando é legalmente possível seguir o procedimento simplificado da comunicação prévia.

iii) São acolhidas novas situações de isenção, onde não existe qualquer procedimento administrativo de controlo prévio. É o que passa a suceder, por exemplo:

  • quando exista aumento de número de pisos sem aumento da cércea ou fachada (e. g. criação de andar interior em estabelecimento industrial, para melhor aproveitamento do espaço);
  • quando estejam em causa obras interiores que afetem a estrutura de estabilidade, assegurando-se que o técnico habilitado declare, através de termo de responsabilidade que a estrutura de estabilidade é de considerar aceitável face à situação em que o imóvel se encontrava antes da obra realizada, podendo esse documento ter de ser exibido em eventuais ações de fiscalização;
  • quando tenha sido obtida informação prévia suficientemente precisa; e
  • para a substituição de vãos por outros que, conferindo acabamento exterior idêntico ao original, promovam a eficiência energética.

iv) Acolhem-se novos casos em que são dispensadas licenças urbanísticas ou outros atos de controlo prévio, apenas havendo lugar à emissão de um parecer não vinculativo pelo município competente, o que passa a suceder quanto a obras promovidas por empresas do setor empresarial do Estado, empresas municipais e intermunicipais relativas:

  • à instalação de equipamentos ou infraestruturas destinadas à instalação de serviços públicos;
  • afetos ao uso direto e imediato do público;
  • nas áreas portuárias ou do domínio público ferroviário ou aeroportuário;
  • quando sejam afetos à habitação ou para pessoas beneficiárias de políticas sociais, incluindo residências para estudantes deslocados;
  • a parques industriais, empresariais ou de logística, e similares, nomeadamente zonas empresariais responsáveis (ZER), zonas industriais e de logística;
  • para salvaguarda do património cultural; e, ainda
  • para gestão do parque habitacional do Estado, entre outros.

 v) Naturalmente, são mantidos os poderes de fiscalização para assegurar o cumprimento das normas relevantes e criam-se condições para que os municípios possam contratar serviços de fiscalização sem necessidade de se ter de aguardar pela aprovação de um decreto-lei que regulamente tal possibilidade.

vi) A fiscalização deve orientar-se por critérios de estrita legalidade, estando vedada quanto a aspetos que se relacionem com a conveniência, o mérito ou as opções técnicas das obras realizadas ou em curso.

vii) São simplificados os procedimentos administrativos para obtenção de licenças urbanísticas, para a realização de comunicações prévias e no quadro das informações prévias. Por um lado, aprova-se um regime de deferimento tácito para as licenças de construção. Por outro lado, elimina-se o alvará de licença de construção, o qual é substituído pelo recibo do pagamento das taxas devidas.

viii) São adotadas várias regras para que a contagem dos prazos seja mais transparente. Assim, em resultado do disposto no diploma em crise e da aplicação do Código do Procedimento Administrativo:

  • a contagem dos prazos passa a iniciar-se com a entrega do pedido pelo particular e não num momento intermédio no procedimento, sendo de difícil apreensão para o interessado;
  • os prazos só se suspendem se o particular demorar mais de 10 dias a responder a pedidos de informação, documentos adicionais ou a outras solicitações da Administração Pública; e
  • apenas é possível pedir por uma única vez informações, documentos adicionais ou formular outras solicitações durante o procedimento.

Nestes termos, os prazos legalmente previstos são alargados, pois a sua contagem inicia-se agora com a submissão do pedido e não num momento posterior.

vii) Determina-se que, caso não exista rejeição liminar ou convite para corrigir ou completar o pedido ou a comunicação, considera-se que o requerimento ou a comunicação se encontram corretamente instruídos, não podendo ser indeferido o pedido com fundamento na sua incompleta instrução.

viii) Elimina-se a necessidade de parecer da entidade competente em matéria de património cultural em várias situações. Assim, quanto a imóveis localizados em zonas de proteção de bens imóveis em vias de classificação ou de bens imóveis classificados de interesse nacional ou de interesse público, não há lugar a parecer da entidade competente em matéria de património cultural quando:

  • se trate de obras no interior de bens imóveis, desde que não se verifique impacte no subsolo, ou alterações relativas a azulejos, estuques, cantarias, marcenaria, talhas ou serralharia;
  • se trate de obras de conservação no exterior; e
  • relativamente à instalação de reclamos publicitários, sinalética, toldos, esplanadas e mobiliário urbano.

ix) Permite-se a delegação de competências nestas matérias nos dirigentes dos serviços, assim evitando a concentração de competências no vereador com pelouro.

x) Alarga-se o prazo de validade da informação prévia favorável de um para dois anos, sem necessidade de solicitar prorrogações.

xi) Permite-se que o prazo de execução das obras possa ser prorrogado sem os limites atuais, de apenas poder ocorrer uma única vez e por período não superior a metade do prazo inicial.

xii) Explicita-se que os regulamentos municipais só podem abranger certo tipo de matérias, não podendo, por exemplo, abordar matérias relativas aos procedimentos administrativos ou a documentos instrutórios, assim procurando tornar os procedimentos mais semelhantes nos vários municípios do País.

xiii) Impede-se que os municípios possam exigir documentos instrutórios adicionais face aos previstos na lei e em portaria especificamente destinada à identificação desses documentos.

xiv) Prevê-se a existência de uma Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos, que permita:

  • apresentar pedidos online;
  • consultar o estado dos processos e prazos;
  • receber notificações eletrónicas;
  • obter certidões de isenção de procedimentos urbanísticos;
  • uniformizar procedimentos e documentos exigidos pelos municípios, evitando a multiplicação de práticas e procedimentos diferentes; e, entre outras funcionalidades;
  • futura submissão de pedidos em formato Building Information Modelling (BIM), com automatização da verificação do cumprimento dos planos aplicáveis.

Esta Plataforma será de utilização obrigatória para os municípios a partir de 5 de janeiro de 2026 e não será possível adotar passos procedimentais ou documentos que nela não se encontrem previstos.

xv) São clarificados os poderes de cognição dos municípios no exercício do controlo prévio urbanístico, em especial relativamente à emissão de licenças. Assim, em geral, cabe ao município verificar:

  • a inserção do edifício no território (controlo do cumprimento dos planos, medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário e de construção prioritária, servidões administrativas, restrições de utilidade pública e o uso proposto;
  • a estética exterior e a inserção do projeto na paisagem; e
  • a suficiência das infraestruturas.
  • Não compete ao município apreciar questões relativas ao interior dos edifícios ou matéria relativa às especialidades (águas, eletricidade, gás, etc.).

xvi) São eliminadas exigências em matéria de controlo prévio urbanístico. Assim, são revogadas ou substituídas certas exigências do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) que se consideram limitativas sem corresponder à proteção de um interesse público atual. A título de exemplo:

  • elimina-se a obrigatoriedade da existência de bidés em casas de banho;
  • permite-se que possa existir um duche em casas de banho, em vez de banheiras; e
  • viabiliza-se a utilização de soluções para cozinhas como kitchenettes ou cozinhas walk through.

xvii) Aprova-se a revogação do RGEU com efeitos a 1 de junho de 2026.

xviii) Elimina-se a necessidade de obtenção de uma licença específica para ocupação do espaço público e que se revela frequentemente necessária para as obras quando é fundamental, por exemplo, utilizar caixas de entulho ou andaimes. O pedido de licença de construção passa, assim, a poder englobar a ocupação do espaço público e a licença de construção abrangerá, nesses casos, a possibilidade de ocupação desse espaço na medida do que seja necessário para realizar a obra, dispensando-se procedimentos e atos adicionais.

xix) A requisição da presença de forças e serviços de segurança nas obras é facultativa, não podendo ser exigida ao promotor por entidades públicas.

xx) É eliminada a autorização de utilização quando tenha existido obra sujeita a um controlo prévio, substituindo-se essa autorização pela mera entrega de documentos, sem possibilidade de indeferimento, mas, naturalmente, mantendo-se todos os poderes de fiscalização durante e após a obra.

xxi) Por seu turno, quando exista alteração de uso sem obra sujeita a controlo prévio, deve ser apresentada uma comunicação prévia com um prazo de 20 dias para o município responder, considerando-se aceite o pedido de autorização de utilização, caso o município não responda.

xxii) Simplificam-se os processos em matéria de especialidades, o que se faz em várias dimensões. Nestes termos, clarifica-se que os municípios não apreciam nem aprovam projetos de especialidades, os quais são remetidos para mera tomada de conhecimento e arquivo, acompanhadas de termos de responsabilidade emitidos pelos técnicos competentes em como os projetos foram realizados em conformidade com a lei.

xxiii) Simplificam-se os processos de receção das obras de urbanização.

xxiv) Simplificam-se as formalidades relacionadas com a compra e venda do imóvel, eliminando formalidades que não representam valor acrescentado. Com esse propósito, sendo eliminadas, no momento da celebração do contrato de compra e venda do imóvel, a exibição ou prova de existência da ficha técnica de habitação e da autorização de utilização ou de demonstração da sua inexigibilidade.

MEDIDAS DE SIMPLIFICAÇÃO PARA O ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO

São aprovadas alterações destinadas a simplificar processos em matéria de ordenamento do território, a saber:

i) É simplificado o processo de reclassificação de solo rústico em solo urbano, com finalidade industrial, de armazenagem ou logística. Nos termos deste processo simplificado:

  • realiza-se apenas uma consulta pública, evitando-se diversas consultas públicas com objeto semelhante ou sobreposto;
  • prevê-se uma conferência procedimental, para todas as entidades se pronunciarem simultaneamente;
  • determina-se que o procedimento não para durante o período de consulta pública, antes continuando a ser desenvolvido; e atribui-se competência à assembleia municipal para a respetiva aprovação. Este procedimento não se aplica em áreas sensíveis ou em áreas da reserva ecológica nacional ou da reserva agrícola nacional.

ii) Criam-se condições para acelerar os procedimentos de aprovação de planos de urbanização e planos de pormenor, através:

  • da eliminação do acompanhamento da elaboração dos mesmos pelas comissões de coordenação e desenvolvimento regional; e
  • da eliminação da fase de concertação.

iii) Criam-se condições para a simplificação do controlo urbanístico através da criação de novos casos de comunicação prévia que substituam licenças urbanísticas, através de uma densificação do conteúdo das unidades de execução sem, contudo, prejudicar a flexibilidade que este instrumento atualmente oferece. Deste modo, clarifica-se que as unidades de execução podem:

  • conter desenho urbano;
  • incluir a programação das obras de urbanização; e
  • envolver contrato de urbanização para o seu desenvolvimento. Caso a unidade de execução inclua o desenho urbano e a programação de obras de urbanização, deixa de ser necessária a licença de construção ou de loteamento, podendo as operações urbanísticas fazer-se na base de comunicações prévias, tal como acima se referiu.

A generalidade das normas previstas neste Decreto-lei já se encontram em vigor, com as seguintes exceções:

  • Disponibilização no Diário da República, de forma sistematizada e por município, dos regulamentos urbanísticos entra em vigor a 8 de abril de 2024;
  • A obrigação de solicitar e emitir pareceres através do Sistema Eletrónico para a Emissão de Pareceres entra em vigor a 6 de janeiro de 2025;
  • Regime jurídico aplicável à Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos entra em vigor a 5 de janeiro de 2026;
  • A apresentação obrigatória do projeto de arquitetura de acordo com a metodologia BIM entra em vigor a 1 de janeiro de 2030.

Note-se que com a simplificação dos procedimentos administrativos, se eliminam controlos e/ou fases de controlo, o que significa transferir a responsabilidade para terceiros, e essa responsabilidade, no caso destas medidas, passará essencialmente para os promotores e técnicos que acompanham a elaboração e execução dos projetos urbanísticos.

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Rogério Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Patrícia Largueiras
Luís Almeida Brito
Inês Dias de Pinho

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