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A Questão da Tributação dos Dividendos Pagos a Organismos de Investimento Coletivo Não Residentes

12 Março 2024
A Questão da Tributação dos Dividendos Pagos a Organismos de Investimento Coletivo Não Residentes
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A Questão da Tributação dos Dividendos Pagos a Organismos de Investimento Coletivo Não Residentes

12 Março 2024

O Supremo Tribunal Administrativo uniformizou agora a Jurisprudência no sentido de que o regime português de tributação, por retenção na fonte, no pagamento de dividendos, dos Organismos de Investimento Coletivos não residentes em Portugal é contrário à liberdade de circulação de capitais, concluindo pela desaplicação da norma em causa, mas será que é desta que termina, de vez, a controvérsia?

OS ANTECEDENTES

A origem da querela remonta à alteração, operada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo ("OIC”), ou seja, fundos de investimento ou sociedades de investimento. Tal regime isenta os OIC de tributação sobre dividendos, juros, rendas e mais-valias, considerando que a tributação de tais rendimentos, ocorre, em princípio, na esfera dos titulares ou acionistas quando lhes são distribuídos os resultados do fundo. Todavia, o regime de isenção em vigor estabelece que só é aplicável a OIC que se constituam e operem de acordo coma legislação portuguesa, ou seja, na letra de lei, tal regime não seria aplicável a OIC que se constituam e operem de acordo com a legislação de outro Estado, designadamente membro da União Europeia (“UE”).

Deste então, a questão da discriminação na tributação, por retenção na fonte no pagamento de dividendos, de OIC não residentes em Portugal tem sido amplamente discutida nos Tribunais.

Pese embora tenham sido proferidas, pelo Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD"), diversas decisões arbitrais favoráveis aos contribuintes, foi o Acórdão do Tribunal Justiça da União Europeia (“TJUE”), datado de 17 de março de 2022, que concluiu que o princípio da livre circulação de capitais da UE se opõe à legislação de um Estado-Membro segundo a qual os dividendos distribuídos por empresas residentes a um OIC não residente estão sujeitos a retenção na fonte, enquanto os dividendos distribuídos a um OIC aqui residente estão isentos de tal tributação.

Agora, seguindo a jurisprudência comunitária, parece que o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo ("STA”) n.º 7/2024, proferido no passado dia 26 de fevereiro de 2024, vem pôr fim de vez por todas à querela.

O ACÓRDÃO

O referido Acórdão do STA, proferido no passado dia 26 de fevereiro de 2024, uniformizou a Jurisprudência, concluindo pela incompatibilidade do artigo 22.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, com o disposto no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia, impondo a não aplicação do referido normativo nacional, em conformidade com o direito e jurisprudência europeus, nomeadamente, em face do Acórdão do TJUE, proferido no dia 17 de março de 2022, no âmbito do Processo C-545/19.

O Recorrente interpôs recurso, para uniformização de jurisprudência, visando o aresto arbitral proferido no âmbito do processo n.º 96/2019-T, datado de 29/10/2019 (no qual era também REQUERENTE), o qual julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral, deduzido pelo Recorrente e visando os atos de liquidação de retenção na fonte de IRC, relativos ao ano de 2016.

O cerne da questão era saber se a comparabilidade da tributação de OIC residentes e de OIC não residentes deve ser aferida apenas por referência à fiscalidade aplicável ao nível do veículo de investimento ou se, diversamente, deve ser considerada a situação fiscal dos detentores de participações.

Entendeu o STA que, para efeitos de comparabilidade, se deve considerar decisivo o facto de a lei portuguesa diferenciar, expressamente, para efeitos de retenção na fonte, entre fundos de investimento residentes e não residentes, que não a situação fiscal, mais ou menos vantajosa, que os fundos não residentes possam gozar nos respetivos Estados da residência ou ainda a situação fiscal individual dos seus investidores. De facto, do ponto de vista do Estado-Membro em causa, fundos residentes e não residentes encontram-se numa situação comparável quando ambos estão sujeitos à mesma tributação. Por conseguinte, entende o Tribunal, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

Em face do exposto, concluiu o STA que, sempre que um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação. Reitera, assim, a jurisprudência do Acórdão do TJUE, proferido no dia 17 de março de 2022 (no âmbito do Processo C-545/19) de que o TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

Finalmente, o STA conclui que o EBF (na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro), na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da EU, é contrária ao direito comunitário, devendo a norma ser desaplicada, concluindo que a decisão arbitral recorrida não poderá manter-se na ordem jurídica.

AS CONSEQUÊNCIAS DO ACÓRDÃO DO STA

Apesar da decisão judicial estar em linha com outras decisões nacionais anteriores que já seguiam a referida jurisprudência do TJUE, nos termos enunciados, parece que o Acórdão do STA n.º 7/2024 veio resolver a questão pendente.

Considerando o impacto deste acórdão uniformizador de jurisprudência, é, pois, expetável que se venha a assistir a uma maior litigância por parte dos contribuintes (OIC estrangeiros) que podem, e devem, recorrer aos tribunais nacionais para se fazerem valer de uma decisão do TJUE. Neste aspeto, salienta-se, os contribuintes podem requerer uma Revisão Oficiosa do imposto pago em liquidações emitidas nos últimos quatro anos, ou seja, à data, podem ser contestadas as liquidações emitidas desde março de 2020 em diante.

A título de nota final, é de salientar, ainda, que apesar de o Acórdão do STA se referir expressamente a OIC constituídos ou que operem segundo leis de outros Membros da União Europeia (ou, ainda, no Espaço Económico Europeu), considerando que a liberdade de circulação de capitais é liberdade extensível a Estados Terceiros à União Europeia, mesmo os OIC constituídos ou a operar em Estados terceiros poderão fazer-se valer desta decisão do STA.

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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
José Pedro Barros
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Inês Braga Reigoto
Leonor Gargaté Oliveira
Bárbara Malheiro Ferreira
Alice Ferraz de Andrade

(Litigation Team)

 

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